MEIA LUZ





                                                                                   
                                                                                 
  As senhoras reuniram-se na frente de suas casas, e as crianças em estado de euforia comemoravam a sensação de uma hiper-realidade da rua, quando caiu a noite, e veio uma súbita queda de energia. Era uma rua comprida e sem saídas. As casas de fachadas iguais diferiam nas cores e na disposição das portas e janelas. No entardecer daquela tarde, o sol iluminou o centro da rua com uma luz vermelha que foi encurtando-se em poucos minutos até sumir. 
    As luzes dos postes acenderam-se sozinhas pontualmente às seis horas. Naquele horário, chegavam em casa os homens que trabalhavam nas fábricas e nas pedras; e as mulheres das casas de famílias bem dotadas. Elas andavam apressadas na calçada e antes de chegarem à porta de suas casas, resmungavam com os filhos que brincavam por ali. 
    O menino de cabelos esvoaçados e olhos castanhos chamava-se Nilo e estava sentado no meio-fio com as mãos no queixo. Ele olhava para a esquina à espera da mãe, e de repente ela despontou; ele partiu como um relâmpago ao seu encontro. Abraçou-a pela cintura e caminhou ao seu lado até sua casa no final da rua. Naquele instante, o céu estava com tons alaranjados e a breve luz solar irrompia atrás das montanhas. 
    Apesar da falta ou queda de energia ser um evento constante, nas cidades do interior, aquela vizinhança nunca estava preparada para tal festividade. Nilo tinha acabado de tomar banho e ao sair na porta, as luzes dos postes sumiram, enquanto a lua subia como a hóstia do padre na missa do domingo. Ele olhava para o céu encantado pelo que via, e a senhora mais antiga da rua chamou-lhe e disse: 
    – Nilo, vai até à esquina comprar velas. Tome aqui as nicas – disse a senhora Beatrice, contando as moedas. 
    – Quantos pacotes a senhora vai querer, pois eu acho que dessa vez, a luz não vai voltar mais hoje, e a noite vai ser toda com essa luz fraca! – disse ele animado. 
    Outras crianças se aproximaram dele para perscrutar a conversa. Do final da rua era possível ver o dono do mercado na esquina, clareando a porta do estabelecimento com os faróis do carro. Uma fila enorme esperava o atendimento através da grade que protegia o mercado de assaltos noturnos. Nilo com medo de terminar o estoque das velas, mergulhou na fila como o peixe que desliza das mãos do pescador. Ele protegeu a sacolinha de velas e disparou até o final da rua, onde a concentração de senhoras, viúvas e donzelas agrupavam-se em frente à casa de Nilo para prosar naquele silêncio lunar. 
    –Não vai ter novela hoje– anunciou a noveleira. 
  –Alguém precisa telefonar para a concessionária de luz – sugeriu a moça donzela sentada no banquinho de madeira. 
    – Tomara que não demore muito – disse a outra velhinha de cabelos brancos no portão da casa em que se formou a roda de mulheres e viúvas; e entre elas, a mãe de Nilo que gritou seu nome no meio da rua: 
     – Venha cá Nilo, cadê você, venha tomar logo a sopa. – E Nilo não quis saber de sopa, redistribuía as velas para aquelas senhoras como um líder que prepara sua equipe para o resgate de mortos. As casas se iluminavam com a luz carmesim que aumentava e diminuía dentro do globo das lâmpadas. A queda de energia oscilava. Todos estavam sentados em roda. A velha Maroquita, cheia de vigor e ternura com as crianças, iniciou uma história que não tinha fim. 
    Nilo sentado num banquinho, com duas crianças ao seu lado, observava as estrelas a cada cinco minutos – de olho nos cometas que passavam – pois se a energia voltasse ao estado habitual, o suspense da história se perdia. Na presença da luz elétrica o silêncio e o instinto primeiro dos sentidos não seria o mesmo. Somente Nilo sentia o tom daquela hiper-realidade da rua. Os outros moradores ali reunidos na roda de conversa, não o percebiam da mesma forma como o garoto. 
    A noite estava embebida da meia-luz de uma lâmpada maior. Era a luz da lua, aquela luz pálida e fria. As estrelas no céu eram como pequenos cristais quebrados espalhados na cortina de seda. Enquanto Maroquita contava a história aos meninos e as senhoras que também sentadas na roda se rendiam aos mistérios, ele não desgrudava do céu e da chama da vela que dançava ao vento. 
    Essa noite para Nilo continha algo de especial, intangível, pois todas as vezes, ou ao menos, duas vezes ao ano, a falta de energia na rua reunia as mesmas pessoas; as mesmas histórias de Maroquita, e a sensação – para o menino observador – de uma outra realidade que não é esta tal qual o leitor mais atento conhece do lado de fora deste conto, mas o tom hiper-real que se descortina quando você revisita a sua infância através desse personagem. Naquele piscar de olhos entre a meia luz nas faces das mulheres ali concentradas com as crianças, ouviram um coral de vozes, vindo do outro lado da rua até contagiarem o círculo e os ouvidos de Nilo, que desejava dentro de si, o infinito semiescuro daquela luz que germinou o mundo.

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