AS CORTINAS





Meu sonho era ser diretor de cinema. Desde a infância brincava com câmeras feitas de papelão. Eu brincava muito, filmando amigas como personagens de uma novela que só existia na minha imaginação. Infelizmente, nasci no Brasil e não me tornei cineasta. Na juventude, antes da universidade, conheci um amigo que tinha uma câmera CANON profissional e ele me pediu que eu o fotografasse pelos arredores da casa. A partir desse dia me apaixonei perdidamente pela densidade da câmera, o peso, a lente e a leveza da fotografia. E como num passe de mágica muitas pessoas começaram a me solicitar trabalhos fotográficos. Eu, inúmeras vezes, recusava pela insegurança de nunca ter feito um curso para fotógrafo. As minhas primeiras fotos disparadas na objetiva não tinham sequer planejamento de ângulos, e na revelação, ficavam tão graciosas que nem acreditava que foram mesmo feitas por mim.
Comprei uma câmera e não parei mais até o dia em que decidi me aceitar como escritor. Abandonei a câmera. Ela está nos aposentos da casa, cheia de poeira e lá ficará até os fungos devorarem os espelhos e cortinas secretas em seu interior. A câmera fotográfica tem uma vida secreta que só conhecemos no prenúncio da captação do instante amoroso. A câmera me ama, mas tive de deixá-la ou seria engolido por ela. A câmera exigia de mim altos custos, cada vez mais altos, ela me deixaria na miséria se eu continuasse ao seu lado. Dei um basta em sonhos fracassados. Até pensei que seria grande fotógrafo algum dia, mas depois de descobri que cinema no Brasil não vai para frente; a fotografia também não vai. Quero uma máquina de escrever com teclas que suguem meus dedos eucarísticos.
Ganhei uma estante, e livros começaram a chegar em casa; um atrás do outro que até o carteiro e os vizinhos ficaram desconfiados de tanta encomenda batendo à minha porta. Comecei a ler despretensiosamente, sem cálculo. Enquanto meus amigos viajavam sem descanso, eu lia. Lia muito. Continuo lendo, mas agora, estou sem tempo de ler os meus livros prediletos. A leitura de “Cem anos de Solidão”, de García Márquez, é interrompida diversas vezes por uma loucura lúcida somada a uma vontade de escrever maior do que qualquer outro desejo carnal.
O sonho se realizou. Eu sou um cineasta. Amigos íntimos me leram e me disseram que ao ler meus contos viram as cenas. Eu escrevo cinematograficamente. Que palavra enorme, ela tem a mesma densidade da câmera, mas o peso se torna leveza na escrita. O cineasta escreve com a câmera, e o processo de cineasta escritor é descarregar as cenas no papel ou computador. Os filmes para descarregar surgem nos momentos mais inesperados em que a cortina se abre. Essa cortina cobre o imenso espelho da realidade. É uma espécie de espelho idêntico ao que mora dentro da minha câmera fotográfica aposentada. A realidade surge para mim em pequenos momentos e sinto um prazer desmedido quando meus personagens conseguem atravessar o espelho. Enquanto tudo regressa, eu continuarei rasgando as cortinas.

Ricardo Neto

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