PEQUENAS COISAS



    Mamãe foi traída pelo meu pai a vida inteira até meus vinte anos. Ele tinha uma amante e constituiu com ela a segunda família. Eu fiquei com minha mãe. Pobre e mal-amada. Acompanhava ela todos os dias para casa da Família Afonso Martins. Trabalhava na cozinha e tinha um quartinho só para ela, no fundo da mansão. Toda tarde eu ia para o quartinho destinado à minha mãe. Meu sonho era dar uma bolsa para ela no Natal. Guardava suas pequenas coisas dentro de uma sacola de plástico miúda. Um dia eu peguei-a em cima do guarda-roupa. Ela deixava no alto para eu não roubar as moedinhas do pão. Quando abri a sacolinha, tinha um pente, uma presilha de cabelo e notas fiscais de supermercado. Muitas notas e uma caneta bic. No fundo da sacola, o batom vermelho. De tão velho ficou todo roxo. Era a sua única maquiagem. De frente para o espelho do guarda-roupa, girei a cápsula do batom e passei em meus lábios. Até hoje tenho as marcas.

Ricardo Neto

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