METAMORFOSE



      

           Quando acordei numa manhã de chuva, avistei do meu quarto uma borboleta imensa na porta da sala. Ela batia as escamas de seda lentamente entre uma parede e outra, e eu levantei assustado. Fui em sua direção para tocá-la e minhas digitais ficaram cravadas. Afastei-me para trás pausadamente. Nunca tinha visto uma coisa daquelas. Corri para cozinha e peguei uma vassoura para espantá-la, mas não havia saídas, pois as janelas estavam trancadas.
A borboleta me encarava com seus olhos de jabuticaba e batia as antenas no teto, soprando cinzas opacas. Pensei que poderia ser até uma mariposa, mas não tinha feiura, a sua beleza desejava uma música de violino. A chuva lá fora caia e decidi chamar algum vizinho. Fui até os fundos da casa e um besouro enorme e cascudo estava acoplado na tramela. De repente tive a ideia de colocar fogo nos jornais velhos que ficavam dentro do armário da pia.  Peguei o fósforo em cima do fogão, fiz um calhamaço com os jornais e acendi a chama para incendiar a borboleta.
 Voltei para sala. A borboleta mudou de violeta para azul e no seu corpo eu via uma forma humana. A tocha na mão queimava e ao me aproximar percebi que as asas diminuíam, sobrando apenas um miolo no centro da porta. Esse miolo  crescia, formando um belo corpo masculino que surgia a minha frente. Passei as mãos nos meus olhos para ter certeza do que via. O homem nu olhava para mim e eu lhe perguntei:
- Quem é você? – Ele respondeu:
- Eu sou o seu espelho!
Disparei como louco, de volta para cozinha, e o besouro estava minúsculo subindo a parede. Anunciei em voz alta que tinha um ladrão na minha casa e os vizinhos correram para tentar arrombar minha porta. Fui atendê-los, subi no sofá e mandei que eles procurassem o homem metamorfoseado que possivelmente estava escondido no meu quarto. Quem poderia ser? Um suicida? Um louco? Psicopata? Um anjo ou diabo? Os três vizinhos foram na frente e eu na ponta dos pés, e vimos apenas uma nuvem de borboletas na parede, formando uma aquarela colorida com meu sorriso de infância.     

Ricardo Neto

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